Terça-feira cheguei em casa com olhos rútilos. Assim que adentrei em minha residência, minha mulher me olha e pergunta: “— Como foi lá na catequese?” Eu estava emocionado por fazer uma das maiores descobertas desta minha ínfima existência. Eu sei, para você que me lê há tempos, deve estar pensando: “Catequese? Você?” É isso mesmo que você leu! Estou fazendo a catequese para adultos, uma aula por semana, durante um ano. Eu que já fui um ateuzinho militante, um agnóstico de uma figa e um niilista do amor. Milagre? Ora, quem sou eu para dizer o contrário.
Na infância eu cheguei a fazer algumas aulas de catequese, mas, obviamente, era um saco. Era uma tortura para aqueles jovens com hormônios à flor da pele, ficar ali, na classe, sentados, em silêncio, ouvindo a catequista ensiná-los a rezar. A catequista, para ajudar, era uma velhinha, com fala demasiadamente pausada e uma voz baixinha, daquelas boas para tirar uma soneca. Talvez, se a catequista fosse como a professora de inglês, não haveria tantas desistências. Aquela professora de inglês do ensino fundamental fazia-nos ficar calados, incólumes, estáticos e, vez ou outra, eretos. Pelo menos os homens da turma. Lembro-me que ela vestia sempre um vestididinho branco, com detalhes em vermelho, que afinava sua cintura, valorizava seus seios e seus quadris voluptuosos e ainda deixava à mostra boa parte de suas pernas cor de caramelo.
Inglês era a nossa matéria preferida. Aprendemos com afinco o verbo to be. Íamos a cada cinco minutos na mesa da professora para sanarmos dúvidas crudelíssimas. E como ela era uma professora nova, tanto de idade como de carreira, ao nos direcionarmos até ela, éramos sempre recebidos com uma simpatia contagiante. Ela era um poço de cordialidade, além de ter um certo pudor pelo fato de sua inexperiência. E isso nos acendia desejos profundíssimos. Mas era incrível como todos os meninos da sala, que eram uns capetas na maior parte do tempo, ficavam num silêncio de velório, boquiabertos, babando pelo canto da boca quando adentrava em nossa sala a professora de inglês. Fica aí a sugestão para a área de recrutamento e seleção das escolas quando tiverem que contratar professores, ou melhor, professoras.
Mas eis o que eu queria dizer. Passei a faltar as aulas da catequese com uma eficiência de atleta olímpico. A olimpíada eu fazia em casa: me acabava no onanismo. Deus não deve ter ficado muito feliz com essa troca; e com razão. Lembro-me de chegar até minha mãe e admitir que não queria mais fazer a catequese. Já a esperava bufar como um touro bravo, mas, para a minha surpresa, ela falou: “— Tudo bem, filho, tudo bem.” Lá em casa éramos os católicos não-praticantes. Isso não significa que não tínhamos fé. Meus pais sempre tiveram uma fé muito pessoal. Meu pai é daqueles que reza toda a noite. Ao viajar com ele por esse brasilzão afora, era possível perceber esta sua fé idiossincrática. Meu pai sempre faz o sinal da cruz ao passar por todas igrejas católicas localizadas na beira da estrada. E não são poucas. Minha mãe possui um exército de anjos e santos em um módico cantinho lá de casa, iluminados por uma daquelas velas de sete dias.
Mas e eu? Eu rezava, mas sempre preferi conversar com Deus do que apenas rezar. Eu entendia Deus como se ele fosse um transeunte, um amigo onipresente, onisciente e onipotente, que pudesse me ouvir de igual para igual. Com o tempo, parei de rezar, parei de acreditar em algo transcendente e fui me afastando cada vez mais do sagrado para então adentrar de vez no profano, como relatei na crônica Tô Só Pela Próxima Missa de Domingo, onde conto todos os detalhes que me fizeram voltar para o catolicismo.
Em minha época de agnóstico, lembro-me de gravar um vídeo lá para o meu canal no YouTube, onde afirmo que crer não era uma escolha, crer era sentir. Acreditar em Deus era sentir Deus pulsando dentro de ti. Perguntava-me se era Deus quem escolhia as pessoas que sentiriam sua força, pois eu não sentia, e talvez até hoje eu tenha dificuldade de senti-la, de percebê-la. E foi justamente esta dúvida que levei para a catequese nesta semana.
Falávamos de Adão e Eva e do porquê eles foram expulsos do paraíso. Crônica para outro dia. Eis que ao final da aula, quando todos preparavam-se para levantar e voltarem para suas vidas de pecado, resolvo fazer a pergunta “humilhante” para o professor: “— Acreditar em Deus é uma questão de escolha ou eu simplesmente sinto Deus e então passo a acreditar?” Ele foi lacônico: “É uma escolha!” Esta resposta, dita com tanta firmeza, espantou-me. Ele não fez rodeios. É uma escolha! Você escolhe conscientemente em acreditar, mesmo que não sinta Deus. É um caminhar na completa escuridão. Você não enxerga bulhufas em sua frente, mas mesmo assim você crê para caminhar, e não o contrário.
Isso tocou-me na alma. Passei uma vida inteira achando que eu deveria sentir Deus, como se uma força mágica e sobrenatural tivesse que surgir diante de mim, como se eu fosse um ser especial aguardando uma graça divina. Não! Está errado. Eu já nasci na graça, eu já ganhei a vida, eu já consigo abrir os meus olhos pela manhã e ver o mundo à minha volta, tanto as coisas belas, como as coisas abjetas. Eu entendo que a vida é carregada de sofrimentos, e que para muitos, viver é um martírio, é uma dor lancinante. Desde a época em que escrevi meu primeiro livro, o Quando a Vida Vale a Pena, percebi algo: um momento pode fazer uma vida valer a pena. Sim! Um momento que talvez dure apenas alguns minutos pode valer uma vida. Repito isso para mim de maneira obsessiva. O que seria de mim sem minhas obsessões?
Coloquem isso na cabeça: a crença está na prática, pois eu escolho crer. Lembro-me de ouvir o psiquiatra Ítalo Marsili dizer que já fora a mais de cinco mil missas — posso estar errado neste número —, e, na maioria destas missas ele sentiu tédio e sono. Foram pouquíssimas que ele sentira algo tocar-lhe a alma e elevar-lhe como filho de Deus. Mas ele tomou a decisão de ir, tomou a decisão de acreditar. Tempos atrás, ao assistir a uma entrevista com o psicólogo Jordan Peterson, fiquei estarrecido com uma de suas respostas. O entrevistador lhe perguntou na fuça: “— Você acredita em Deus?” E Jordan, de pernas cruzadas, com aquele olhar concentradíssimo no entrevistador, respondeu: “— Eu ajo como se Deus existisse.”
Talvez, na época, Peterson não acreditasse em Deus piamente, mas isso não lhe cegou para o óbvio ululante: você pode e deve escolher acreditar; e mais, agora você possui um norte, agora você tem a possibilidade de mirar no maior bem possível, que é Deus. E, quem sabe, ao longo desta caminhada, você sinta, você se entregue de corpo e alma para o sagrado. O professor da catequese, para finalizar a aula de terça, contou-nos uma história sobre fé: um homem escalava uma montanha. Quando estava chegando no pico, resvalou e passou a cair. Antes de cair em queda livre para uma morte certa, conseguiu agarrar-se em um galho de árvore e então ficou pendurado diante do abismo. No desespero, começou a chamar por Deus. Suplicava para que Deus o salvasse da morte. Eis que então este homem ouve a voz do Todo Poderoso: “— Solte-se do galho, Eu lhe seguro.” Você soltaria? Eu admito que ainda estou agarrado no maldito galho.
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