“Eu procuro dizer o que sinto e o que penso. Isso é muito duro. O sujeito ter um mínimo de autenticidade. É preciso todo um esforço, toda uma disciplina, todo um ascetismo, toda uma paciência beneditina porque nós somos falsários.” Nelson Rodrigues

Esta semana alguém perguntou-me, lá no Instagram, como o homem diferencia a mulher para se perder uma noite e a mulher para se ganhar a eternidade. Perceba que a seguidora não é boba. Ela sabe que isso existe no mercado dos afetos. Ela sabe que os homens possuem em seus contatos aquelas onde eles apenas ligam para descarregar sua tensão sexual — pesado? Sim. Eis o mundo líquido — e aquelas moças em que eles, não todos, almejam um relacionamento sério, um relacionamento íntimo. Todas as pessoas que dizem que isso não existe, estão mentindo para si mesmas. Homens e mulheres fazem estes juízos de valores quando se encontram por aí.

Antes de entrar na questão do “como o homem faz esta escolha de mulheres”, me obrigo a falar sobre o desejo insaciável, sobre a busca pelos prazeres baratos que acometem ambos os sexos. É inegável que o desejo carrega algo ruim, algo maldoso, pois o sujeito que se deixa levar por suas vontades sem freio algum, torna-se egoísta, malandro, canalha, e tende a terminar no fundo do poço lambendo suas próprias feridas. Ser mau dá prazer! Guarde esta frase e lembre-se dela toda vez que estiver diante da maldade humana, inclusive a maldade que habita em você. Se apoderar sobre os outros, dá prazer; trair dá prazer; mentir e se safar dá prazer; ser um canalha dá prazer; matar o inimigo dá prazer. Ninguém torna-se mau por acidente, como quem diz: “— Eu estava aqui, pensando, e, de súbito, tornei-me um sujeito vil!”

Nelson Rodrigues dizia que o desejo é vil, além de ser triste. Ele é vil porque nos torna, como citei acima, sujeitos repugnantes; e ele é triste porque, como dizia Schopenhauer, ele nos humilha de duas formas: deixando que nós o realizemos, e não deixando que nós o realizemos. Quando você realiza aquele desejo efêmero, de imediato, surge o vazio. Na crônica da semana passada, relatei a vida amarga que tive ao entregar-me à luxúria. Sentia-me vazio cada vez que realizava aquele desejo e, quando não o realizava, entristecia-me da mesma forma, além, é claro, de ficar ansioso por não conseguir descarregar a tensão sexual.

“— Ora, Guilherme, então o que nos resta?” Mirar mais alto. Agir corretamente buscando alcançar o maior bem possível. Que bem seria esse? Não ceder a todos os seus desejos carnais já é um bom começo. E aqui não importa se você é ateu, cristão, macumbeiro e etc. Qualquer homem que estiver à mercê de suas vontades a todo tempo, se tornará repugnante e abjeto. E, normalmente, um sujeito destes, atrai pessoas como ele: gente que pensa apenas a curto prazo, que prefere sentir aquele prazerzinho barato agora e ignorar suas consequências no outro dia. Resumindo: gente que sacrifica o futuro pelo presente.

“— Mas Guilherme, e o que tudo isso tem a ver com um homem escolher a mulher para se perder uma noite ou a mulher para se ganhar uma eternidade?” Tudo. O que de fato acontece no mercado dos afetos é esta visão de presente e futuro. Quando o homem olha para uma mulher e a deseja, ele pode a desejar por uma noite, ou seja, apenas para descarregar sua tensão sexual, ou desejá-la para entregar sua intimidade, para construir uma relação duradoura. Porém, aqui entra o meu lado Freudiano, e por quê? Porque, a princípio, o homem não é tão racional assim no momento de “escolher”. Normalmente o homem não fica na balada raciocinando a mulher para casar e a mulher para se perder uma noite. Talvez na igreja, mas, na balada, dificilmente.

Veja eu: conheci minha namorada na balada. Digo para vocês, sem sombra de dúvidas, que a minha intenção, naquela noite, era descarregar a tensão sexual, apenas. Eu não olhei para ela e pensei: “Hum, essa é pra ter um relacionamento sério.” Ora, eu sequer a conhecia. Nunca havia conversado com ela. A única informação que ela me passava de imediato, era sua aparência, que, diga-se de passagem, era a mulher mais bela daquele lugar. Isso me encantou, óbvio. Ela também estava bem vestida. Usava uma calça jeans e uma blusa verde. Simples, mas bela. A maioria das garotas daquele lugar pareciam não ter pudor algum. Saias curtas e justíssimas; decotes avassaladores. E veja bem, meu caro leitor, essas moças estavam no lugar certo para se estar com aquelas roupas. E eu também estava, pois o meu objetivo era qual? Perder uma noite com uma delas!

Mas eis que minha futura namorada me cumprimentou. Ela sorriu — e que sorriso era aquele! —, me abraçou e se apresentou. Opa! Já não é só aparência. Me pareceu muito simpática. Tentamos conversar em meio àquele barulho. Difícil. Então mais tarde nos beijamos. Fomos embora juntos naquela noite. Conversamos muito após a balada. E veja só: ela não era só um rostinho bonito. Ela tinha papo e senso de humor, ela ria das minhas piadas, ela fazia piadas. Isso realmente me chamou a atenção. No outro dia, o que eu fiz? A convidei para tomar um tererê em minha casa. Entenda, meu leitor, que não era só pelo sexo, eu me encantei pela personalidade dela. Era bom estar em sua companhia.

Raramente eu enviava mensagens para as mulheres no dia seguinte, pois as usava apenas para satisfazer minha vontade carnal, era apenas o desejo pelo material, pelo corpo, pela casca, pela carne. Só isso. A maior parte das relações entre homens e mulheres, nos dias de hoje, são assim. Vivemos em tempos líquidos. Mulheres belas por fora e feias por dentro; homens fortes por fora e fraquíssimos por dentro. Pois o que vale é ter a aparência mais chamativa, é ter a aparência mais bela, mas repare que ter uma aparência bela está longe de ser belo. O ser envolve mais do que a simples casca que nos envolve. O ser belo é o todo: corpo, mente, espírito e a moral.

Vez ou outra, o sujeito se afunda tanto neste mundo líquido de aparências, que o pobre coitado não consegue mais construir vínculos de valor com ninguém, pois seu pensamento e suas ações estão todas voltadas para os prazeres baratos, para a busca de seus desejos mais imediatos. E qualquer relação humana que se resuma apenas ao material, ou seja, apenas ao ter, quebra, se dilui, escorre entre os sofrimentos inevitáveis da vida. E onde este sujeito egoísta e ressentido vai parar? Na solidão e no vazio. E este nunca é um bom lugar de se estar. Então volto à pergunta da minha seguidora: como o homem diferencia a mulher para se perder uma noite e a mulher para se ganhar várias noites? Em nosso tempo, grande parte dos homens não diferenciam porra nenhuma. O que acontece de fato é: ele busca uma relação material, mas eis que o desgraçado percebe que a pobre mulher possui um ser ali dentro, não é só casca, não é só aparência. E qualquer pessoa que está diante de alguém de verdade, se encanta, se apaixona, se entrega.

Lembro-me de ouvir minha mulher falando, em um de nossos primeiros encontros, sobre seu amor ao seu pai, que falecera; sobre seus sonhos para o futuro; sobre o seu trabalho. Lembro-me de suas ações em nossos primeiros encontros: sempre cordial, carinhosa, solícita, educada. Junte a tudo isso alguém que possui senso de humor. Meu Deus! Há um Ser aí dentro desta personalidade! Há substância! Há alguém disposto a servir! Há alguém de verdade, de carne e osso. Era impossível eu não me apaixonar por essa mulher, impossível!

10 respostas para “COMO O HOMEM DIFERENCIA A MULHER PARA SE PERDER UMA NOITE E A MULHER PARA SE GANHAR A ETERNIDADE?”.

  1. Avatar de Bruna Zietiana Finda
    Bruna Zietiana Finda

    Eu amo seus textos 🥰

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  2. Avatar de Lilian

    Estou “fora do mercado” há muito tempo (29 anos de casamento) e nos meus tempos de solteira eu não escolhia assim, não tive essa oportunidade que a galera tem hoje. Mas gostei do texto, muito boa a abordagem 😉

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  3. Avatar de Francielle Santos

    o jeito que você explica as coisas é diferenciado // mais uma vez, grata por tantas verdades

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    1. Avatar de Guilherme Angra

      Grato por um comentário destes.

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  4. Avatar de Danilo Vizibeli

    Quando eu li o título pensei que fosse mais um post machista destes que defendem o papel caçador do macho e que está tudo certo em sair por aí pensando em apenas pegar a mulherada e mais nada. Me surpreendi. Sua escrita mostra equilíbrio, sem tapar o sol com a peneira, mas ao mesmo tempo defende que o ser humano pode ser mais do que um pedaço de carne e encontrar nas pessoas um bom motivo pra viver e amar. Parabéns. Também gosto dos seus textos, linguagem clara, concisa, e fácil de ler. Abraços.

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    1. Avatar de Guilherme Angra

      Danilo, obrigado por esse comentário. De coração! Grande abraço.

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  5. Avatar de Sol Antônia

    Excelente texto.

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  6. Avatar de Links da semana #01 – Geek do Direito

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